Bentley, Alta-Costura, Macbook e primeira fila da Dior — pequeno ensaio sobre crítica de Moda

Descodificar o título
Duas notas rápidas antes de partirmos para o que realmente importa e para dar sentido a este título e subtítulo. Primeiro já percebi que o calendário de conteúdos é só um antídoto digital para a ansiedade, sim, este tema também surgiu, sem estar calendarizado. Segundo, parte deste texto foi escrito à mão, já que isto das newsletters tem algo de carta, usemos papel e caneta (pelo menos até eu a perder…)
Para explicar o título, tenho de vos explicar o meu processo. Começo por um tema, que ou surge, ou que está armazenado na secção “brain dump” do meu querido ‘software’ Plot — workspace for creatives (no pub here), em seguida existe uma pesquisa, cuja profundidade depende do limitado de que disponho (alerta: equipa de uma única pessoa); e escrita.
Durante essa pesquisa encontro muito sobre a crítica de Moda da autoria de Francesca Granata. Exemplo disso é um livro por si editado, trata-se de uma recompilação de entrevista a figuras de relevo no que concerne ao tema, entrevistas essa que foram originalmente publicadas na revista académica que fundou e da qual o livro é homónimo — “Fashion Projects — 15 years of Fashion in Dialogue.”
Na entrevista a Robin Givhan, a entrevistada afirma que não é compreensível o facto de a Moda ser considerada fútil. Sendo o argumento dos defensores de tal teoria que não é aceitável na sociedade actual que um vestido de Alta Costura custe milhares de euros, e a mulher que o compre rotulada com superficial. Já um carro de luxo como um Bentley custa centenas de milhares de euros e caso um homem o compre é prezado pelo feito Givhan (e eu também) preferiria um vestido de Alta-Costura.
A nova onda de fashion criticism foi algo que tomou grande parte deste micro- estudo, desde da System Magazine ao BOF passado por publicações de igual renome, publicações menos sonantes, Substacks e textos académicos.

Na edição 19 da System Magazine encontramos uma série de entrevistas à nova geração de críticos de Moda. Na qual, tanto Severia Mendella como Dana Tarabey quanto deparadas com a questão de onde se sentiriam num desfile de Dior, responderam que assistiriam na primeira fila em frente ao computador. Tais afirmações demonstram a preponderância do digital tanto na sociedade como na Moda. Se bem que reconheça e usufrua da democracia do acesso aos desfiles de Moda, a vertente digital nunca me fará pulsar o sangue nas veias como acontece ao assistir a um desfile in loco.
Descobertas e perspectivas
O artigo assinado por Loïc Prigent é enriquecido por duas definições sobre crítica de Moda, a qual é extremamente clara, concisas. E que acredito estarem alinhadas com os valores que tem nos últimos anos tem sido adoptados opor e para a nossa indústria.
Opto por partilhar estas visões por meio de citações não por ser mais fácil do que as parafrasear, mas porque pretendo o seu valor original. O realizador especializada em Moda introduz assim o seu texto:
“Sem a actividade da crítica, a Moda faria lembrar um interminável jogo de futebol — ou ainda pior, de críquete! — que ninguém entende. Felizmente, críticos — tal como os comentadores desportivos - existem para nos ajudar a identificar os jogadores, o que está em jogo e quais as envolventes, os campeões e os feitos dignos de nota.”
A perspectiva que Tarabey tem do trabalho que desenvolve é praticamente a vocalização do meu ‘wishful thinking’:
“Crítica de Moda, mas também alguém que populariza os estudos de Moda e que mistura Moda, ciências sociais, piadas e floreados poéticos. O objectivo é escapar ao consenso através de cultura e rir um pouco. Numa indústria que diz querer ser cada vez mais democrática. Estou a tentar a desenvolver a capacidade para análise e promoção o pensamento crítico com bases sólidas, tornando-as acessíveis. Tudo isto é bastante interactivo. Estou sempre em debate com estudantes de Moda, profissionais e pessoas apaixonadas por Moda, que já estão, todos, fartos da abordagem ‘gosto/ não gosto, e que olham para a Moda tal como é: um objecto cultural brilhante que precisa de ser decifrado.”
O aparecimento de uma geração de críticos de Moda alavancados pelo digital tem como tudo factores positivos e negativos. No lado positivo temos o respeito e enorme admiração pelos grandes nomes da crítica de Moda como Anna Piaggi e Suzy Menkes, entre muitos outros. Outro ponto a favor destas novas abordagens é disrupção pela positiva, ou seja, as avaliações negativas deixaram de ser a norma vigente de forma geral, os críticos não têm de ser temidos.
E partindo de um enorme respeito, discordo da caracterização, que a meu entender Cathy Horyn faz de quem tem como meio-primordial, no trabalho que desenvolve em fashion media, o digital de forma independente, como sendo fashion outsider. Actualmente, desenvolvo uma newsletter de Moda, mas graças ao magnífico ‘cluster’ de Moda português posso dizer (com muito orgulho e espero não doar terrivelmente convencida) que sou uma fashion insider.

Muito antes de alguma vez imaginar escrever algo sobre Moda, tive o enorme privilégio de conhecer pessoal Suzy Menkes, durante a edição Luz da ModaLisboa - Lisboa Fashion Week. Um dos momentos mais magníficos que alguma vez vivi, conhecer uma profissional que tanto admiro e comprovar que é também uma pessoa extraordinária é um sentimento indiscutivelmente positivo.
Antes de retomarmos a polarização da “nova” crítica de Moda, abordamos uma prática crítica da Moda, de um muito breve, como para assinalar a sua existência neste contexto. Conceito este estudado e explorado por Adam Geczy e Vicki Karamminas, cujo projecto que inspiraram define — “Critical Fashion Project”, define da seguinte forma:
“A Prática crítica de Moda (PCM) é qualquer peça, irem ou trabalho de Moda que anuncie um nível de funcionalidade conceptual que excede a capacidade do simples vestuário. O que a PCM partilha com grande parte da arte contemporânea é o desejo de se posicionar criticamente no epicentro daquilo que são as preocupações da área. Isto é, desafiar as normas do mundo, sacudindo as pessoas da sua letargia e as suas visões preguiçosas, desestabilizar ideologias, e encorajar as formas de repensar o self e a identidade. Neste sentido, PCM pode ser considerado uma metafísica do vestir, uma vez que os seus alicerces existem para lá da utilidade física.”
Como não há bela sem senão, nem todos os novos críticos de Moda são cuidadosos nos seus trabalhos de casa, como relembra Pedro Vasconcelos, no seu artigo “Luxo do passado, lucro do Futuro” na Vogue Portugal deste mês. Como relembra dando o exemplo de ter ouvido num ‘podcast’ que a Schiaparelli foi fundada em 2018. Sou da mesma opinião que Vasconcelos, também não espero que todos sejam tão ‘nerds’ da Moda como eu. Sei que não ameniza tal pecado, mas desconfio que os responsáveis confundiram Schiaparelli com Vivetta.

Trago esta questão porque, ainda que a minha formação seja em Design de Moda, uma boa pesquisa é algo que deve ser transversal, ainda que o resultado da mesma possa ser costurado, escrito, drapeado ou vocalizado num ‘podcast’. Acredito honestamente que se esta pesquisa não for extensa, esse facto deve ficar claro.
O ‘streaming’ como ferramenta de inspiração
Este é um texto, ligeiramente, virado de cabeça para baixo, por quê? Porque é a mais de meio do texto que conto como surgiu este tema. Surgiu através de uma série do Disney + e não, não estou a falar de “In Vogue”. Ainda não vi, quero muito ver, mas o ‘streaming’ está a perder o seu propósito original — o binge — watching, esperar uma semana por um novo episódio, para mim faz parte da experiência televisiva e não da de ‘streaming’.
A série em questão é a série “Nada” — um dandy na terceira idade que não sabe fazer nada sozinho, ou seja, uma vítima masculina do patriarcado. No entanto, não foi isso que inspirou o que agora escrevo — o protagonista Manuel é critico gastronómico, mas o que é verdadeiramente extraordinário é que esta série nos dá uma ideia completamente diferente daquilo que empiricamente julgamos ser um crítico.

Manuel Tamayo Prats tinha o seguinte processo: comia em diversos tipos de restaurantes da sua cidade, Buenos Aires, e escrevia sobre a sua experiência. Mas existe nesta sequência um terceiro elemento que me surpreendeu de uma forma extraordinária, contrastando com a ideia preconcebida que tinha das competências de um crítico, independentemente da sua área de actuação.
Tamayo Prats cozinhava, não limitava a criticar ou a reflectir sobre, sabia fazer e executar aquilo que criticava. Algo que foi extremamente revelador para mim, sempre associei a actividade da crítica a um saber puramente teórica, portanto este exemplo despertou a minha curiosidade para saber mais sobre a actividade crítica na minha área, tal interesse também tem uma raiz de emotivo devido à minha formação e ao projecto que actualmente me dedico.
Não gosto de conclusões, quando se escreve algo académico ou de alguma forma mais “denso”, pior que escrever conclusões, só mesmo as legendas… Mas o porquê de optar por não concluir alguns artigos vem da crença de que uma narrativa aberta proporciona o dialogo, ainda que não forma palpável — se algo que se lê desperta pensamento e questiona, já é um diálogo, sem precisar de “likes” ou “comentários”.
No próximo artigo iremos falar dos trabalhos de casa que delego a mim mesma — ou seja, o que descobri e aprendi ao estudar a Vestoj. Ao que acrescerá pensamentos e reflexões do que tem acontecido até agora neste fashion month, que transcende o calendário gregoriano.
P.S. Muito obrigada por lerem e assinarem o The Fashion Standup, e pela paciência com o atraso desta edição, o próximo artigo sairá ente dia 30 de Setembro e 4 de Outubro. Até lá o diálogo continua nas redes sociais — @thefashionstandup.