Da gaiola de Chanel à boca de Balmain

Sim, comprometi-me a fazer com que The Fashion Standup fosse para lá do ‘mainstream’ vigente na indústria. Por isso, este texto não é uma review do fashion month, trata-se de uma partilha de emoções e pensamentos registados ao ver as imagens de alguns dos desfiles das “principais” semanas de Moda. Os mesmos poderão não coincidir com a visão de críticos, jornalistas, especialistas, Substackers e escritores em demais meios.
Possivelmente, algumas reflexões poderão ser díspares da inspiração ou do âmago das mensagens que os directores criativos pretendiam transmitir. Tal como afirma Malcom Barnard a Moda é comunicação com base em mensagens — emitidas e recebidas. Mas uma única mensagem nem sempre tem o mesmo significado para o remetente e para o destinatário.
Poucos dias depois de esta newsletter ter feito um mês de vida, é claro que os artigos que mais despertam o vosso interesse são aqueles com pouco mais de 5 minutos de leitura, assim vou fazer batota e este artigo terá duas partes.
Ressalvas concluídas, vamos ao fashion month com a perspectiva, o SEO gostaria mais de POV, de The Fashion Standup:
1 — Dior
Estava a fazer scroll no Substack e vi uma nota (post curto do Subsstack) que pedia para alguém dizer a Maria Grazia Chiuri que os Jogos Olímpicos já acabaram. Mas, na verdade, actualmente, as consumidoras de Dior, as mulheres ricas (OK, podia ter escrito poder económico, mas não é bem a mesma coisa) que gostam de usar roupa “desportiva” muito para além do ginásio, adorariam fazê-lo em Dior. Falemos da coleção de um ponto de vista mais estético — é nítido, como relembram as reviews, Chiuri regressa ao seu próprio legado de inspiração helénica.
2 - Alexander McQueen
Se fosse vivo, quando se reformasse Lee McQueen não quereria um director criativo para a sua marca. Não sendo assim, e tendo plena consciência que não fácil suceder a Burton. Alexander McQueen sem Sarah Burton é McQueen só McQueen nos detalhes, não no seu todo.

3 - Saint Laurent
O interesse da inspiração no próprio Yves Saint Laurent reside no facto de ser, em certa medida, um inverter da ideia de que o designer cria a sua marca e constrói uma linguagem visual, que muitas vezes não espelha em si mesmo. A expressão daquilo que se apresenta por meio de outro corpo vestido (manequim) não é necessariamente a mesma ou similar àquela que este (designer) transmite ou pretende transmitir quando se veste. Não esquecendo, ainda assim, a ressalva feita por Angelo Flaccavento — que tendo em conta o debate da representação feminina por meio do que se veste — alguns outfits tocavam o cosplay (pessoalmente, penso que tal é verdade nos looks que não se inspiram no estilo do próprio Yves).
4 - Nina Ricci
Esta pode não ser uma das marcas mais badaladas actualmente, mas que me suscita bastante curiosidade. Ainda que tenha lido que a colecção fora inspirada numa revisitação aos arquivos da Casa que datam de 1962 a 1969, quando vi as imagens, pensei: “Vamos ao Studio 54? Com a Grace Jones?!” Como sabem, gosto de juntar Moda e Humor, e tenho um compromisso interno de não ter um discurso “gosto/não gosto” relativamente às colecções… Ou seja, isto não inclui os textos que li — adorei a analogia feita por Mark Holgate entre a quarta temporada de Harris Reed ao leme da referida Maison francesa e a série da Netflix “Emily in Paris”.
5 - Richard Quinn
O estilo do designer londrino como que se sedimentou, como quando encontras o que buscas e te enches de tranquilidade. Esta extravagância romântica não deixa de set idiossincrática e digna de nota, sem o Quinn ter de “inventar a roda”. Neste salão de baile dos anos 30 do século XX, a intenção era enaltecer a “a arte de event dressing”.
6 - Bottega Veneta
Confesso, que o meu primeiro pensamento era uma urgência de descobrir o que havia para lá de um sitting que se tornou viral nas redes sociais. Para lá de conceitos, a “brincadeira” da modelagem é de um enorme deleite estético e visual. O uso da palavra brincadeira não foi em vão, uma vez que da contextualização do director criativo Matthieu Blazy do próprio trabalho destaco o seguinte: “a tua primeira experiência de Moda ocorre quando experimentas a roupa dos teus pais”. E se há ocasiões em que a minha a opinião vai em sentido oposto ao que é escrito pelos correspondentes da Vogue Runway (calma, não é a minha única referência bibliográfica!)… Desta vez esbarro propositadamente com Nicole Phelps, porque ainda que não tenha presenciado o desfile, esta afirma eco: “Penso que a razão pela qual todos saímos tão animados foi porque nos devolveram o sentimento que impulsionou muitos de nós a abraçar a Moda, durante a juventude, acima de tudo.”
7 - Giambattista Valli
Giambattista Valli descobre o conto de fadas modernizado, sendo o corpo vestido agente de poder e não adorno. E quem disse que o conto de fadas é que nos acontece e não aquilo que fazemos? O próprio designer afirma: “Somos privilegiados por fazer aquilo que fazemos.”
8 - Valentino
Quando perguntavam a Lagerfeld qual era o seu estilo, na série “Becoming Lagerfeld” pelo menos nos primeiros episódios, não havia uma resposta clara. Obviamente, Alessandro Michele tem um estilo vincado que transparece. Se é uma Guccificação de Valentino? Não! É a expressão identitária de um designer no cargo de director criativo em diálogo com diferentes legados. Se tivéssemos Gucci por Alessandro Michele, agora temos Valentino por Alessandro Michele, uma vez que como o próprio admite não pode evitar ser quem é.

9 - Balmain
Já Oliver Rousteing afirma: “A receita da Moda é seres tu.” Não sendo negado que a essência do ressuscitar da marca é Rousteing, e também a este designer a sua infância também lhe serviu de inspiração como comprovam as riscas marinière, que para além de ser ícone francês, remetem para sua infância em Bordéus.
Não me permitindo classificar nada com base no meu gosto pessoal, vou só dizer que quando há representação de caras bordadas com largos milhares de missangas na colecção de Balmain, eu fico muito muito longe de ficar desiludida.
Se tivesse de escolher uma única palavra para descrever esta colecção escolheria transversal. Abrangendo pelos seus cortes e pelo seu casting vários tipos de cortes e uma alarga faixa etária, dando continuidade ao power dressing característico do “exército” da marca. Ao mesmo tempo que encontramos referências a outras marcas e designers, estando longe de qualquer tipo de ‘copy cat’, mas sim, homenagens, sem deixar de ser Balmain.
10 — Loewe
Jonathan Anderson tem a capacidade quase heroica de combinar criatividade e altos standards. Sendo cool e descontraído, Andersson traz à marca espanhola crafts na criação, novas textura e superfícies têxteis e a utilização de novos materiais como um vestido de madrepérola. Algo que vai ao encontro de crinolinas modernizadas para uma mulher emancipada, ao mesmo tempo que Bach e Mozart se convertem em estrelas pop. JW encontrou a glória, no final do desfile, no aplauso dos seus pares, Sarah Burton, Nicolas Di Felice, Kris Van Assche, Pieter Mulier e Adrian Appiolaz.
Continua…
Depois de passarmos pela boca de Balmain, em breve, sairemos da gaiola de Chanel.