Dentro da bolha

Tinha a mente tão poluída de estórias, pensamentos ruminantes, dilemas… E cada vez que desbloqueava o telemóvel lá vinha o tal chapéu. Então criei uma bolha de livros e, depois de bem aprimorada a receita aqui a tens. Um bocado como as premissas que dão início às receitas de Nara Aziza Smith.
Vivemos rodeados de objectos que utilizamos, mas os livros são os objectos que menos utilizamos… Mas devia ser os que mais utilizamos, mesmo que desse objecto físico partamos para outros digitais. É o objecto físico do livro que dá início ao processo.
Dizem que a palavra do ano de 2024 em Portugal foi liberdade, a minha mente quando criei dita bolha estava mais próxima do brain rot (a deterioração do estado intelectual e emocional derivado de conteúdos de fraca qualidade consumidos online).

Já que o mundo me parecia demasiado confuso para o entender, virei-me para aquilo que consigo perceber, porque é aquilo que respiro - a Moda.
No meio de tanto se falar do que vem a seguir, voltei atrás, fui a alguns livros que tinha deixado em suspenso, numa perfeita simbiose metafísica de conhecimento em forma de livros…
Como tinha dito foi o livro físico que deu início ao processo, ou melhor a minha biblioteca, não este ainda não é o artigo sobre os perdidos e achados do meu escritório - biblioteca. Na pilha inicial estavam: “Fashion Design - O Manual do Estilista” (2005) de Sue Jenkyn Jones; “La gestion de las empresas de Moda” (2007) de Stefanio de Saviolo e Salvo Testa; “Sistema de Moda” (1973) de Roland Barthes; “Antropologia de Moda” (2021) de Filomena Silvano; “Fashion Theory” (2014) & “Fashion as Communication” (2013) de Malcom Barnard; “La Moda es Revolución” (2016) de Laura Opazo; “The Dharma of Fashion: A Buddhist Approach to Our Life in Clothes” (2020) de Otto von Busch; “Fashion (R)Evolution” ()2023 de Charo Izquierdo; “El Octavo Arte: la Moda en la sociedad contemporánea (2016) de José María Paz Gago.
Se tivesse de criar uma bibliografia do que agora escrevo, não colocaria todas estas referências, mas tal como num projecto de Design de Moda - todo o processo consta e as etapas não se saltam. Se nem todos estes livros me deram informação relevante neste contexto, no seu todo permitiram iterar entre o físico e o digital.

Ao referir-me a uma dimensão digital, estou a referir-me à biblioteca Perlego (não havendo qualquer publicidade aqui), onde submergi em: “Fashion under Fascism” (2025) de Eugenia Paulicelli; “Digital Researcvh Methods in Fashion and Textile Studies” (2020) de Amanda Sikarskie; “The Fundamentals of Fashion Management” (2018) de Susan Dillon; “Fashion-ology (2023) de Yuniya Kawamura.
Comecei por Barthes, pensei que era a entrada perfeita para limpar a mente, ler Roland Barthes na origem, sem que me fosse explicado por outro autor. Que as entidades divinas da Teoria da Moda me perdoem, mas Barthes está próximo da Física Quântica.
Ainda assim percebi, de forma indubitável que para dito autor, o Sistema de Moda tem de abarcar a linguagem escrita. Já Paz Gago é mais claro nas suas afirmações, dizendo que a Moda precisa de ser escrita para ser divulgada e difundida, para que cresça e continue a desenvolver-se. Então que tal enchermos as redes sociais de bons e fundamentados conteúdos de Moda? Não corríamos assim o risco de que nos fossem sugeridos conteúdos políticos ou politizados que, muitas vezes, não estão em linha com os valores de cada indivíduo.

Tendo a Moda como comunicação e falando de Sistema de Moda, muitos são os autores, desde Barnard a Silvano, que interpretam ambos os prismas como a Moda indumentária em interações sociais e mensagens enviadas por aquilo que vestimos.
Não obstante, quem trabalha em Moda quando toca aos próprios e ao seu próprio corpo vestido, o atributo, segunda a enumeração de Jones, que mais valoriza é a da utilidade. Ou seja, muitas vezes, optamos por vestir algo o mais confortável possível para podermos dedicar-nos o mais possível ao trabalho.
É contraditório? Sim! Mas a dicotomia é entusiasmante. Como no caso de Nara Adida Smith, gostamos de a ver porque é meditativo e aspiracional. Não vamos cozinhar com vestidos Schiaparelli ou Ferragamo, mas não é só isso… Nunca vamos dedicar-nos tanto àquilo que comemos, mas muitos gostávamos de o fazer. E em tais vídeos a Moda indumentária transmite mensagens previamente estudadas.
Em Fashion - ology, Kawamura deixa claro o que muitos já desconfiávamos que Moda, para lá de um Sistema por direito próprio, é uma ideologia. Não é um sistema por ter a si inerente um sistema de comunicação, mas graças às instituições, grupos, profissões e eventos que a compõem. No que concerne a ideologia, Moda é uma ideologia porque não se limita à Moda indumentária, Moda vestida. Moda é mito no sentido de a sua faceta intangível se caracterizar por uma consciência e experiências colectivas.

O já referido livro de Amanda Sikarskie foi instrumental para mim noutros projectos. Humanizando e tornando cool os estudos de Moda e a Academia no contexto de Moda. A esta “receita” trouxe clareza à questão dos blogs de Moda, fazendo uma distinção tão necessária entre blogs de Moda e blogs académicos de Moda. Sendo os primeiros mais vocacionados ao estilo pessoal da própria autora e os segundos obedecendo a um estudo que põe em prática uma teorização crítica para lá da partilha de opiniões. E com este foco de clarividência permite abrir a porta à conversa sobre a concepção generalizada do que são os blogs de Moda, que não se restringe a questão de estilo. Assim como abrange o leque daquilo que são ou podem ser as áreas ou modos de actuação de académicos de Moda.
No meio de tanta reflexão, também houve espaço para a emoção. Quando fiz 18 anos, uma das minhas melhores amigas, uma das pessoas mais importantes da minha vida, ofereceu-me o livro “Fashion Design”. Apesar de então ter lido o livro não percebi… Não percebi, que estava tudo lá, agora com maior maturidade e em perspectiva vejo tudo aquilo que deveria ter em mente. Desde perceber e interiorizar que a crítica ao trabalho ou projecto , não é uma crítica pessoal; que ainda que esteja muito atarefada não devo subestimar a importância do sono, entre tantas e tantas outras coisas. A ação de se verem ao espelho e de se auto-avaliarem em soft skills , que seria tão saudável que todos os criativos e profissionais de Moda tivessem tempo de o fazer, de tempos a tempos.

Portanto, sintetizemos a receita quando o mundo te está a assoberbar: agarra-te aos teus livros de Moda, tipo salva-vidas e não tipo Jack e a famosa porta. Livros de Moda, porque aqui estás tu. Ainda assim poderás fazer uso de outros livros de não-ficção com o equivalente de Moda para ti.
A isto adiciona algo doce e, sim temos de adicionar algo , não estivéssemos nós desde o post de ontem das nossas redes sociais, contagiados pela abordagem maximalista de Sikarskie.
Devo advertir-te de que esta receita não cura alergias, gripes ou viroses típicas do Inverno. Portanto, parece que tenho de vestir as minhas calças Nuno Baltazar e o meu casaco Ricardo Andrez, o meu uniforme por excelência para enfrentar o mundo e seguir à risca a receita do xarope caseiro de Nara. Para a semana, há que sair da bolha para uma nova experiência, mas disso falamos melhor na nossa próxima newsletter.