Fashion-able - Moda eficiente

Fashion-able - Moda eficiente
Colagem e ilustrações feitas pela autora.

Para tratarmos da temática desta semana temos de pôr alguma ordem na casa. No artigo, anterior afirmei ou dei a opinião de que as criação de Elsa Schiaparelli não primavam pelo conforto feminino… E esta é concepção enviesada do seu trabalho, viés esse que advém de uma perspectiva de quem (sim, estou a falar de mim) leu mais de uma dezena de biografias de Coco Chanel. Mas dando, a volta ao viés, encontrei o fio do tecido - conhecer melhor Schiapaerelli, para além da arqui - inimiga de Chanel. 

Consegui-o através do documentário “Schocking Schiaparelli!” que foi transmitido na televisão publicação portuguesa esta semanas, ou em bom português “passou ontem na dois”. No qual percebi que efectivamente o percurso de Schiap começou por roupa desportiva, tendo o seu primeiro momento mediático acontecido em 1931, devido à skort (saia-calção) usada pela tenista espanhola Lili de Alvarez. Indumentária que, ainda que fosse contra as regras de Wimbledon, era um objecto de Moda eficiente, principalmente para a prática desportiva de Alvarez.

Outras das inovações da designer romana de nascimento e parisiense por adopção foram a colocação de zipper como parte, propositada da peça, acessíveis a quem veste e em locais pouco convencionais como os ombros. Sendo que, actualmente, esta estratégia é utilizada em peças para pessoas utilizadoras de  cadeiras de rodas.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Publicidade a zippers em colecção de Elsa Schiaparelli; Sinéad Burke usa vestido Gucci no Met Gala, 2019 (Getty Images); Aimee Mullins no defile da coleção Primavera/ Verão 1999 de Alexander McQueen, Semana de Moda de Londres, Setembro de 1998. 

São os zippers que unem as pontas soltas que foram deixadas pela newsletter anterior à temática em foco hoje, na qual se inclui a minha própria experiência.

Durante o período de faculdade, sempre procurei incluir a dimensão de adaptabilidade e inclusão nos meus projectos de Design de Moda, onde os zippers expostos, oversized ou com cursores e terminações adaptados eram protagonistas.

De todos os projetos que desenvolvi, o projecto Ongoing foi o que me permitiu fazer uma reflexão mais profunda da minha relação com o que visto, não só como utilizadora, designer, utilizadora designer. Mas como designer de Moda enquanto pessoa com deficiência, ou designer de Moda  portadora de paralisia cerebral. 

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Sinéad Burke numa das capa da edição “The Age of Influence” da revista de The Business of Fashion, 2018; Vogue Britânica de Maio de 2023 e a respectiva publicação em braille; Uma das capas digitais da revista Teen Vogue de Setembro de 2018 com Mama Cax como protagonista.

Foi este projecto que me fez registar por fotografias e anotações o que vestia a cada dia a que a acresceu uma reflexão final extensa que me fez perceber como as situações quotidianas aliados a situações que advinham da deficiência (a dificuldade em percorrer a pé longas distâncias ou as crises de dor crónica) condicionavam as minhas escolhas de vestuário. Não tendo eu nunca precisado de peças adaptadas, determinadas peças respondiam a problemas para lá dos básicos de que todos nos vestimos, de gosto e de estética.  

Daí que possa considerar mais do que defensora de Moda adaptada, de Moda inclusiva ou, Moda eficiente que junte as duas. Quando uma peça é desenhada para um público abrangente, mas dá resposta a problemas de pessoas com deficiência é inclusiva, não? Neste caso, o que pode mudar no que já é feito? A mensagem.

Muitas são as modelos com deficiência física que tem desfilado e participado de campanhas para diversas marcas, mas tais marcas não lançaram linhas de Moda adaptada, estará isto errado?  A meu ver, não! Em termos de comunicação passam a mensagem de que as peças que apresentam são inclusivas para pessoas com deficiências motoras e que os valores de estas marcas são inclusivas também da deficiência. 

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Ellie Goldstein fotografada por Adama Jalloh para edição “Reframing Fashion” da Vogue Britânica, 2023; Aaron Rose Philip fotografa para campanha publicitária da Moschino, 2020; Jilian Mercado em entrevista à plataforma digital Thrid, 2024

Falamos de marcas como Moschino, Gucci, The Blonds, Chromat, entre outras. E de modelos como Aaron Rose Philip; Jillian Mercado; Chelsea Werner; Mama Cax; Ellie Goldstein; Madeline StuartL; Melissa Koole; Marsha Elle; Kelly Knox e Lauren Nathan- Lane, sendo que estes são só alguns exemplos. Os seus activismo e presenças estenderam-se  à capa de várias revistas e publicações de Moda, da Vogue ao The Business of Fashion, passando ela Teen Vogue. Não esquecendo que, uma dessas edições da Vogue, Vogue Britânica de Maio de 2023, focara-se em 19 talentos britânicos  que são também pessoas com deficiência sob o tema “Reframing Fashion”. Edição que fora publica em formato braille, paralelo com a publicação habitual em alfabeto visual imagem.

Debata-se, fala-se e escreve-se avidamente sobre as diversas formas como Alexander McQueem fora pioneiro. Mas pouco se refere como fora disruptivo quando, em 1998, tem a desfilar, na apresentação da sua colecção de Primavera/ Verão 1999,  Aimee Mullins - modelo e atleta duplamente amputada. 

De forma similar, das retrospectivas do legado de Alessandro Michelle na Gucci é, frequentemente, esquecido o seu contributo para tornar a marca mais inclusiva por meio das colaborações com Sinéad Burke. Burke que através da Moda ganhou relevância como ativista pela inclusão, estendo-se a outras áreas e indústrias com serviços de consultoria no seu projecto Tilting the Lens, onde emprega e colabora com outros profissionais portadores de deficiência.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: A youtuber Lolo Love com styling de Stephanie Thomas (stylist que desenvolve o seu trabalho com personalidades com deficiência), 2018; Tommy Adaptive by Tommy Hilfiger, 2018; projecto da marca francesa de Moda Adaptada Von Ruz.

Dentro desta temática, mais especificamente em termos da Moda adaptada  existem muitos mitos a desmistificar,  aspectos específicos a trabalhar em direcção a uma sociedade mais inclusiva da qual a Moda é parte vital. 

Como portadora de deficiência, obviamente, não tenho acesso  a conhecimento sobre o tema por qualquer tipo de osmose, apesar de ser algo que já investiguei, também para este artigo houve lugar a uma pesquisa.  O estudo de Grace Jun intitulado “Fashion Pedagogy and Disability: Co- Designing Wearables with  Disabled People” e o livro  “The Intersection of Fashion and Disability - A Historical Analysis” de  Kate  Annett - Hitchcock foram fundamentais para ampliar os meus conhecimentos neste contexto. Novos conhecimentos aliados a reflexões, factos, perspectivas, opiniões e acontecimentos recentes.  Digamos que,  estas são as bainhas por terminar.

O recente lançamento de uma coleção, de 49 peças, de vestuário adaptado por parte da gigante de fast fashion Primark demonstra que existe um vasto e lucrativo mercado para tal. Não sendo caso isolado, sendo o exemplo mais abordado a linha “Tommy Adaptive” da Tommy Hilfiger.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Capa do livro “The Intersection of Fashion and Disability” de Kate Annett- Hitchcock, 2023; o designer de Moda com deficiência auditiva Justin LeBlanc; o designer de Moda com deficiência motora Qaysean Williams.

Como relembra Annett - Hitchcock, a necessidade de a Moda se tornar ter uma oferta adaptada na Indústria da Moda é uma necessidade  relativamente recente, provocada pela produção altamente massifica.  Não obstante, se consumirmos Moda independente, ética e responsável teremos acesso a um serviço mais próximo e personalizado, que poderá colmatar diversas necessidades.

No que respeita à Moda adaptada e inclusiva, muitos relatórios referem que existem mais marcas de roupa e acessórios vocacionadas para animais de estimação do que para pessoas com deficiência. Há que considerar que, este dado poderá partir de um pressuposto  de que, tal com os bebés, as crianças e os animais de estimação, as pessoas com deficiência não tem poder de compra nem de decisão. O que não corresponde à verdade, uma vez que grande parte desta comunidade é geradora de riqueza e, toma decisões de reconhecida importância, como é o exercício do direito ao voto.

A colaboração com pessoas com deficiência em contexto académico em Moda é tido, em muito artigos científicos, como algo complexo devido a questões logísticas e prática. Não obstante, é aqui que  a tecnologia e o digital podem e devem estar ao serviço da criatividade. No segundo ano da faculdade, uma colega e eu desenvolvemos projectamos um modelo de camisolas para um público juvenil com autismo. Com vista a recolhermos informação e podermos listar as características e atributos que se iriam mais desejáveis a dito design recorremos a grupos de Facebook de familiares e pessoas com autismo. Note-se que o briefing não nos pedia a concretização de protótipos, chegadas à fase de prototipagem teríamos de adaptar o contacto com os hipotéticos utilizador. Mas as ferramentas digital podem agilizar parte do processo.

Tanto em contexto real como académico, em estudos e escritos, cria-se uma considerável  separação entre o designer ou estudante e a pessoa com deficiência. Algo que urge mudança, uma vez que instituições de renome  como a Parsons School of Design e a Central Saint Martins promovem a inclusão de estudantes com deficiência em cursos de Design de Moda. Contudo, posso assegurar, por experiência  própria, que não é obrigatória a existência de ditos programas para o Estudo de Design de Moda por pessoas com deficiência seja uma realidade. Durante a minha formação, os professores, técnicos e colegas sempre foram extremamente empáticos e, quaisquer adaptações que fossem necessárias foram sendo ajustadas, de forma descomplicada ao longo do percurso. Havendo uma abertura admirável de aprendizagem de parte a parte.

Aos dias de hoje, não existem dados relativamente a quantos designers de Moda com deficiência completaram a sua formação ou trabalham na indústria, tanto em marca própria ou equipas de design em marcas, de menor ou maior escala. Sabe-se apenas que os designers de Moda com deficiência tiveram-no devido à televisão com os reality shows “Project Runway” e “Next in Fashion” - que tiveram como participantes Justin LeBlanc (com deficiência auditiva) e Qaysean Williams (com deficiência motora). Acredito e defendo que o trabalho para a mudança de tal panorama irá beneficiar o próprio Sistema de Moda.

Qual é o objectivo deste artigo? Claro que não é mudar o mundo! Mas recordar-te que quando estás fazer um projecto, podes alargar o teu leque de possíveis utilizadores/ consumidores ou público- alvo. Tendo ou não uma função criativa, cada um nos seus próprios timings pode dar o seu contributo à mudança, procurando reformular a ideia de que Moda que responda a necessidades mais específicas de quem é portador de deficiência tem de ser puramente funcional, médica ou “aborrecida”. E ter presente e lembrar que a Moda é também um movimento pelos direitos cívicos.