Moda ao largo do Mediterrâneo

A série de ensaios que dá a conhecer a comunidade que envolve o The Fashion Standup continua. Mas desta feita com um twist - que twist? Não serei eu apenas a questionar, com uma curiosidade quase infantil. Este artigo resulta de uma entrevista de parte a parte.
A minha convidada é Christelle EL-Daher, jornalista e copywriter de Moda libanesa. Como tantos outros membros desta nossa comunidade TFS, conhecemo-nos através do Instagram, afinal cumprimos o propósito primeiro das redes sociais.
Sendo a linha vermelha que nos uniu, o facto de desenvolvermos trabalho com missões similares que se fale e se escreva mais, ou ainda, sobre os cluster de Moda nos países de onde cada uma é e onde vive - Portugal e Líbano, respectivamente.
No outro dia li, algures, a questão de se estaria a Moda a tornar-se nacionalista… Na minha opinião, o termo nacionalismo, no mundo em que vivemos actualmente, é de utilização perigosa, estando conectada a ideologias políticas que comprometem a liberdade e a democracia, e por conseguinte o exercício da própria. Não negando a possibilidade na sua generalidade, pois não tenho dados para tal, considero que nestes dois casos se trata de uma consequência de um mundo global e conectado.

Contexto no qual, reconhecemos que o desenvolvimento dos clusters criativos e de Moda no território merece ser reconhecido, tal como são os das demais geografias, não por meio comparativos - não como sendo melhor que, mas como meritório e singular incluído numa ideia de pluralidade.
Assim, numa longa e efervescente conversa, falámos de: formação; religião; feminismo; percursos de vida; economia; percepções históricas; geografias, religiões; família; tempo; mentores; fronteiras…
Há quem possa pensar que não falámos de Moda. Claro que falámos de Moda, a Moda está no ar que respiramos - ou não fosse o Zeitgeist parte tão fulcral da Moda.
As perguntas da Christelle permitiram reflectir sobre mim mesma, os objectivos e as intenções com as quais comecei este projecto. De uma forma genuína e sem pudores, pude falar do objectivo que tenho de falar sobre Moda com maior profundidade e pesquisas intensas do ponto de vista de uma designer de Moda de formação.
Algo que já tinha feito inúmeras vezes de variadas formas, mas também tocar num assunto que no digital pode ser tabu - e que até mesmo ao escrever me causa dúvidas se o devo exteriorizar… A intenção como a evolução deste corpo de trabalho vir a monetizar o meu conteúdo, dado que afinal o próprio Substack, uma das plataformas desta newsletter, se intitula “um novo motor económico” para a cultura.

Um dos paralelismos do cluster de Moda que mais se vincou nesta conversa, não foi uma questão de hábitos culturais. Mas quais são as bases nas quais assentam o Sistema de Moda em Portugal vs o Sistema de Moda no Líbano?
Em Portugal o Sistema tem por base o surgimento da Semana de Moda de Lisboa e a inerente criação da Associação ModaLisboa, que nutre os jovens talentos e catalisa a criatividade e progressão dos designers mais estabelecidos. Ao passo que no Líbano, os casos de sucesso isolado de designers libaneses em ecossistemas europeus or de países do Golfo não abre caminho ou cria bases a uma indústria criativa no seu todo.
Outro dos entraves à afirmação da Moda libanesa residiu não só no processo de ocidentalização levado a cabo no país ao que acresceu a guerra civil. Soma-se a isso, até aos dias de hoje, as ideias pré-concebidas que os países ditos ocidentais têm dos designados países árabes, muitas vezes aglutinando-os e não os percepcionando de forma individual.
Como resultado desse retrato ocidental que tinha em mente, questionei Christelle sobre religião e sobre o papel da mulher em termos sociais. Na sua perspectiva, a opressão feminina não está relacionada a um prática social generalizada ou que tenha por base uma religião, qualquer uma das cerca 18 manifestações de credos presentes no seu país, entre cristãos, judeus e muçulmanos. A seu ver, a violência contra a mulher ou a violação dos seus direitos e liberdades advém da masculinidade tóxica. Fenómeno que não é, exclusivamente, árabe. Sendo que os casos de homicídio por violência doméstica e machista crescem na Europa. Não obstante, cada indivíduo, família ou comunidade pode fazer uso das suas convicções religiosas para a materialização do seu machismo.

A jornalista de Moda defende que, dentro da área da Moda e do conhecimento, seja qual for a geografia, as mulheres devem vocalizar as suas competências, sem rodeios, sem medo de serem tidas como arrogantes, ou esperando que sejam terceiros a validarem o seu conhecimento e saber.
Como mulher, a maior dificuldade que sentiu era enquanto vivia em Paris, mas poderia tê-la sentido em qualquer outro ponto do globo - sendo, então, obesa, encontrar forma do seu guarda-roupa reflectir o seu gosto e sentido estético não era uma missão fácil.
Da necessidade surgem sempre ideias e o despertar de um interesse, ao já referido acresce o imperativo de regressar a Beirute, devido à doença do pai, já com o pulsar de mudar o seu rumo profissional, deixar o sector da Inovação pela Moda.
Usando a paixão pela escrita que sempre tivera, aplicou-a no enaltecer da hub de criativos desta área pela qual se apaixonara. Criativos que juntavam as influências do Ocidente com os têxteis tradicionais, técnicas artesanais, entre outros elementos percepcionam uma linguagem de Moda idiossincrática libanesa, uma onda de novos talentos - uma movida criativa.

Sabia que estas propostas tinham de atravessar fronteiras, afinal como me explica fronteiras são um conceito historicamente recente. Os mares e oceanos influenciaram costumes e tradições, pelo que não somos assim tão diferentes uns dos outros. Assim que falar alto e “com as mãos” não é algo exclusivo dos italianos, é algo partilhado pelos libaneses por exemplo.
O trabalho de Christelle EL-Daher no cluster de Moda libanês desdobra-se em várias frentes: o ensino na escola de design onde estudou, a Maja Design School; as contribuições regulares para o Sandy Times; o papel de coordenadora editorial na revista Plastik.
E a tudo isto acrescem os seus projectos pessoais, pois tal como me explicou Christelle, trabalhar em projectos próprios é trabalhar de A a Z, assim que também edita uma revista - The Way it is Worn (TWIW); um Substack - Fashionably Late; e a promoção do seu trabalho de investigação e escrita no Instagram.
Não acredita no trabalho das 9 às 5 e é mais produtiva à noite. Defende que a Moda deve ter um ritmo menos acelerado, por isso edita a sua revista uma vez por ano e publica no seu Substack de seis em seis meses. Em TWIW foca-se no cluster libanês, ao passo que para Fashionably Late deixa as reflexões de Moda no seu todo, não querendo tratar tópicos demasiado efémeros.

Uma das coisas de que gosto de debater com os meus interlocutores, é a Moda como negócio, como vêem essa vertente aplicada aos seus projectos. Porque não é um factor que anule a criatividade. TWIW é uma publicação física num mundo digital e consegue o feito incrível de ser auto-sustentável. Não obstante , o digital Fashionably Late simplifica processos e otimiza custos.
Numa entrevista que conduziu ao designer, historiador e editor - chefe da Marie Claire - Joe Challita, descreveu o trabalho deste como sendo guiado por uma estrela no sentido de trazer à tona a consciencialização da História da Moda libanesa. Eu estou convencida que a missão de Christelle EL-Daher é ser catalisadora da conversa do talento emergente de Beirute.
Há que recordar que se partilharmos formas de ser e viver, também nos expressaremos culturalmente de forma singular, com capital próprio, mas tendo como comunidade a cidade e o mundo.
Para a semana, iremos para outro lado do globo ou divagaremos pelo espaço infinito de pensar a Moda. Como ainda é uma incógnita subscreve, o The Fashion Standup, se ainda não o fizeste, para descobrir. E, entretanto, podes descobrir mais sobre o trabalho de Christelle EL - Daer em: @christelle.ed e @thewayitisworn.
Com amor,
Vera