ModaLisboa Singular - Dia 1 e Dia 2

ModaLisboa Singular - Dia 1 e Dia 2
Colagem ilustrativa dos dois primeiros dias de ModaLisboa Singular. Fotos :autora

Olá___,

Como estás? 

Sim, acertaste ainda estou na frequência da ModaLisboa. E como sou muito mais de mensagens escritas tipo carta do que de mensagens de voz a rivalizar com podcasts. E, sim, quer queiras, quer não vou contar-te tudo.

Sabes que o MUDE reabriu, certo? Foi, aí que a edição Singular começou — pelas Fast Talks, a junção do local e acontecimento trouxe-me ótimas memórias. Poderia contar-te tudo exatamente como aconteceu, com umas lentes neutras. Mas de que serviria? Para isso poderias ver o vídeo, certo? 

As Fast Talks começaram com a abertura do evento com discurso de Eduarda Abbondanza que destacou a vivência da cidade a que esta edição convida com eventos de entrada livre por diversos locais de Lisboa. Calma, que se continuares a ler vais descobrir a que eventos fui.

Os dois paneis foram muito diferentes, mas muito interessantes, em conjunto foram uma lufada de esperança e um safe space de liberdade, num mundo tão conturbado e num país que parece estar a fechar-se. Primeiro, falou-se de tecnologia — “Singular Tech for a Plural Future” com Antonio D’Addio (IED — Istituto Europeo di Design), José Sobral (Paatiff), Tupac Martir (Satore Studio) e com moderação de Rui Maria Pêgo. Gosto bastante da moderação do Rui Maria, é contido nas intervenções permitindo maior diálogo e partilha de ideias.

No processo de design de Moda, começamos um projecto com centenas de esboços rápidos, ideias vão sendo eliminadas e outras aprimoradas, até ao resultado final e, para mim, a escrita de Moda, tem grandes similaridades em termos processuais. 

Ainda que as diferenças em termos visuais e da componente física daquilo que se cria sejam as que mais me custam ultrapassar… O branco e o preto dos processadores de texto… Se por um lado é incrível precisar, como ferramenta, pouco mais do que computador… Um screen shot ou notas escritas à mão nunca terão o prazer estético de uma imagem do que um tecido com os moldes alfinetados à espera de ser cortado ou um esboço de rosto abstracto, mas mangas imponentes. Talvez seja esta a definição de uma designer de Moda que escreve sobre Moda.

Mas não é isso que te quero explicar, quero dar-te a minha visão. O que foquei no primeiro painel? Tenho de ser sincera — as ideias partilhadas por Tupac Martir. 

Não quero com isto dizer que não foi elucidativo conhecer a experiência de José Sobral sobre a sua transição profissional da Arquitetura para Moda - por meio da fusão da arte e da Moda no digital. Tendo como principais ferramentas a curiosidade e desejo de explorar para criar. 

Da esquerda para a direita: apontamentos feitos pela autora; Eduarda Abbondanza a fazer o discurso de abertura da ModaLisboa Singular; primeiro painel das Fast Talks - "Singular Tech for Plural Future"; primeiro painel das Fast Talks - "Plural Design for a Singular Future." Fotos: autora

Antonio D’Addio, professor de design 3D, não hesitou ao afirmar que o design tridimensional agrada a todos. Sendo uma integração sustentável no trabalho dos designers de Moda, graças à poupança de recursos que a prototipagem digital possibilita, existe uma componente mais valorizada que a sustentabilidade - o dinheiro. Os CEO são os maiores fãs da utilização do design 3D para testar um design aka produto de Moda, imaginem a quantidade de tempo que se poderá poupar em toilles.

Martir dá-nos os dois lados da moeda em inúmeros aspectos. A tecnologia dá-nos inúmeras oportunidades de expandirmos a nossa criatividade, mas para a desbloquear e para darmos início, o papel e o lápis serão sempre vencedores em comparação ao clique mecânico. 

Realça ainda que apesar de, actualmente, nos preocuparmos bastante com a inteligência artificial, mas esta já existia em vários formatos na World Wide Web. Sendo que ao que devemos estar atentos é o facto de os dados da IA se estarem a esgotar, pois não conseguimos alimentá-la de novas informações a um ritmo similar ao que a consumimos.

Queres saber o que mais me marcou do que disse? O que nos distingue nas áreas criativas não é aquilo fazemos bem e os nossos sucessos, mas sim os erros. 

No segunda painel falou-se de muita coisa - mas falou-se principalmente da essência do Design e de Design Português.

Inês Cottinelli, do atelier Daciano da Costa, que se dedica, não só a promover o trabalho e legado do seu pai, mas também por inerência, o Design português. Defendendo que o Design tem na sua génese uma função.

Cottinelli vai mais longe argumentado que essa função não tem de ser puramente prática. Contraponto Joana Astolfi, quando Astolfi menciona que as suas montras para a Hermès não eram propriamente design, não tinham uma função prática. Tinham o intuito de fazer as pessoas. 

A responsável pelo atelier Daciano da Costa vê isto como sendo a função. E, eu não podia estar mais de acordo. Para mim esta newsletter é um projeto de design de Moda - ainda que a sua função não seja vestir o corpo, tem a função de ser um espaço de promoção da Moda portuguesa e de estudar a Moda de forma abrangente partindo de um entorno português. Ou até lisboeta, sendo uma contra contracorrente à norma londrina, parisiense ou nova-iorquina.

Já sei o que estás a pensar: “Ok, Vera. Já percebi a ideia, mas ainda não sei quais foram, para ti, os pontos altos do que foi dito por Bárbara Coutinho.” E é exatamente para aí que vamos. 

Aqui destaco-te três momentos. A frase: “O Homem desde que existe precisa tanto de pão quanto precisa de poesia”. 

A ideia de que precisamos de globalidade e multiculturalidade para criar e ser criativos, da mesma forma que o design deve servir as pessoas.

Sem esquecer a estória sobre o professor de História de Arte da directora do MUDE. Bárbara Coutinho conta que o seu professor dizia que alunos acreditam que a História era uma Ciência exata, quando, na verdade, trata-se de um género literário.

Da esquerda para a direita: últimos preparativos antes do desfile; colecção de Duarte Jorge; colecção de Dri Martins; colecção de Gonçalo Oliveira. Fotos: autora

Voltamos à Baixa para voltarmos a entrar no MUDE para assistirmos à primeira parte do concurso Sangue neste segundo dia de ModaLisboa Singular?

Sim, reencontrei, mais das minhas pessoas, e entre os beijinhos e acenos rápidos, também só alguma observação da minha parte, própria de quem volta a casa e gosta de ver como estão todos.

Agora segue-se o grande dilema, falo-te de todos os dez concorrentes ou só de alguns?  Para resolver tal questão nunca mais te enviaria isto, vinha o Natal e perdia-se a carta em detrimento do postal festivo. Prometo só que vou tentar não me alongar muito Ok?

Aqui vamos nós, vou partilhar contigo opiniões e perspectivas e, também “sublinhados” do que aprendi do conceito/memórias descritivas dos designers e tu podes ler todas, de fio a pavio no site da ModaLisboa.

Os jovens finalistas são o exemplo do que melhor carateriza a geração Z e a sua abordagem à Moda. Exploram o saber fazer tradicional e artesanal aplicando e explorando novas formas de criar novos materiais - como cristais de sal, criados em soluções super saturadas. Para tudo isto é preciso “Vagar” - e Francisca Nabinho abraçou este questionar do “ritmo da vida actual”, presenteando-nos com uma superfície de explosão de cores pastel e lindas alforrecas transmitem-nos tranquilidade e entusiasmo.

Outras formas de sustentabilidade foram exploradas por Dri Martins, por meio de design 3D e corte a laser. Quando vi a colecção, fui atraída pelos contrastes de forma e cromáticos com a dicotomia, em que todos vivemos entre leveza e estrutura. Mas vendo a harmonia que a designer pretende que seja a sua “Tal Ingenuidade”, uma dialogo entre a natureza e a industrialização. Resultando num minimizar efectivo do desperdício que é de louvar.

Havendo ainda recurso a materiais sustentáveis já mais “estabelecidos” como o Piñatex como aconteceu em “Tiangou” de Duarte Jorge, um jogo de formas e silhuetas de modelagem eximia das formas curvilíneas e da escalas extra oversized.  Em preto e branco explorou o conceito que dá nome à coleção -“Tiangou” é uma expressão artística da lendária entidade chinesa com o mesmo nome que, segundo a tradição, pode devorar a lua, causando um intrigante eclipse lunar.”

Para além de sustentabilidade, tecnologia, saber-fazer tradicional a nova geração também quer questionar e explorar com curiosidade a história em diálogo com o presente, assim como partilhar as próprias experiências e vivências. 

Da esquerda para direita: colecção de Lolo; colecção de Francisca Nabinho; colecção de Ihanny Luquessa; colecção de Toque Amargo. Fotos: autora

Gonçalo Barros Silva confunde-nos e leva-nos a questionar qual a sua inspiração dada a experiência no desfile, remetendo-nos por meio da banda sonora que aludia para a tauromaquia. E que alguns detalhes e silhuetas poderiam ser reforço a tal teoria. Mas, na verdade, a coleção de Barros Silva intitula-se “Masquerade at the Gentlemen’s Club”. Tendo como palavras-chave: “drama teatral”; “charme caprichoso”; “livro infantil”; “surrealismo”; “tradições folclóricas”; “fronteiras fluidas entre feminilidade e masculinidade” e “espírito do cabaré dos anos 1920”.

Por meio de grandes escalas, uma paleta monocromática, texturas diversas e descontração da peça vestida e do próprio corpo vestido, Ihanny Luquessa apresenta “Silence”. Esta é “a personificação dos seus pensamentos provenientes da sua experiência de vida como um homem negro e africano”. Reflecte sobre os três momentos primordiais de silêncio — o tempo que passamos no ventre materno; a meditação e a morte, ao mesmo tempo que botões XXL aparentam personificar gritos mudos.

Entre os concorrentes não finalistas encontram-se: Gonçalo Oliveira; Inês Arthayett; Lolo; Toque Amargo e VOID. Apesar de saber o quanto acarreta o desenvolvimento de uma coleção e de valorizar bastante o trabalho destes designers por terem chegado à passarelle do Sangue Novo, ao ler sobre as suas coleções depois de assistir ao desfile as decisões do júri tornam-se mais claras, na minha perspectiva obviamente.

Da esquerda para a direita: colecção de Inês Arthayett; colecção de VOID; colecção de Gonçalo Silva Barros; set do desfile no MUDE. Fotos: autora

Do meu ponto de vista, quando depois dos desfiles vou ler sobre as coleções, espero que aquilo que leio eleve a opinião daquilo que vi e, aqui, tal não foi o caso. 

Todos os concorrentes são muito talentosas, mas a seleção faz parte da vida e, da Moda, e para mim está foi a selecção acertada. E anseio por Março.

Queres saber o que aconteceu no terceiro e no quarto dias de Lisboa Fashion Week? Vais ter de esperar pela minha próxima carta, prometo não tardarei.

Com amor,

Vera Lúcia 

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