O papel da Associação ModaLisboa no Sistema de Moda Português - Parte II

O papel da Associação ModaLisboa no Sistema de Moda Português - Parte II
Equipa da ModaLisboa em ambiente festivo no final de uma edição. Foto: Tomás Monteiro (sem data).Imagem de divulgação nas redes sociais da ModaLisboa And Now What?. Fonte : Arquivo ModaLisboa (2021).

Explicada que está um dos motores que potenciam a actuação da ModaLisboa - a paixão, em diversos projectos e iniciativas.

Analisaremos agora, outro factor mais tangível, a questão financeira, ou tendo mais rigor técnico, de financiamento.

A questão do financiamento, está directamente relacionada com a produção do evento em si. A gestão orçamental não é afecta, apenas ao projecto com mais visibilidade e de maior escala da ModaLisboa – a Lisboa Fashion Week.

O orçamento engloba todas e quaisquer iniciativas assinadas pela marca. Às quais acresce uma infinidade de pormenores que têm associados valor monetário. E o salário de inúmeros técnicos e profissionais, que materializam as iniciativas, não apenas durante quatro dias a cada seis meses, mas durante 365 dias por ano.

A extensão e capacidade de realização de iniciativas paralelas, tanto inseridas no evento assim como as externas a essa periodicidade semestral, ver-se-iam, forte e negativamente, afectadas na década de 2000. Quando a União Europeia excluiu a região de Lisboa e Vale do Tejo da lista de elegíveis a financiamentos do Programa Operacional da Economia, desta forma a ModaLisboa fica excluída ao acesso daquela que era, até então, uma parte significativa do seu orçamento.

Já o Portugal Fashion, evento tantas e tantas vezes comparado pelos meios de comunicação social à ModaLisboa, cumpria os novos requisitos à data estabelecidos.

No que respeita ao financiamento da própria organização aos designers que apresentam o seu trabalho no evento, durante o seu período como co-director, Mário Matos Ribeiro afirmou que tal nunca fora a missão da ModaLisboa. A promoção da moda nacional, essa sim era, e continua a ser, a missão.

A gestão ao nível da sustentabilidade financeira das marcas deve caber aos ‘designers-empreendedores’ das mesmas.

Detalhe da Imagem de bastidores das filmagens da campanha publicitária da ModaLisboa Core. Foto: Olga Barrisco (2023). No enquadramento os designers portugueses: Carlos Gil, Ana Duarte, Gonçalo Peixoto, Luís Buchinho, Dino Alves, Nuno Baltazar, João Magalhães e Lidija Kolovratl. Ao lado: o designer espanhol Moisés Nieto. A composição das duas imagens pretende ilustrar a união dos designers de Moda portugueses graças ao trabalho incessante da ModaLisboa que contrasta com a desunião dos designers de Moda espanhóis devido à desintegração da Madrid Fashion Week.

Analisemos o exemplo da vizinha Espanha, que para além de referido na mencionada declaração, foi também analisada no contexto daquela que começou por ser conhecida com “Passarela Cibeles”, actualmente denominada Madrid Mercedes Benz Fashion Week. Aquando da Cibeles, os designers eram financiados para que pudessem produzir as colecções, tornando a Moda desse cluster um fenómeno artificial.

Actualmente, muitos designers como Móises Nieto opõem-se à gestão e valores perpetuados pela dita organização. Uma vez que, não revêm os seus valores e a sua visão da disciplina que é Moda, na venda da experiência daquilo que é uma Semana de Moda - disponibilizada num espectro de formatos que vão dos 8 aos 950 euros.

Não obstante, do que fora acima explicitado, tal não quer dizer que a ModaLisboa não seja um expressivo pilar de apoio aos autores da Moda Nacional. Atendendo a questões preponderantes face ao zeitgeist actual.

Tendo nas redes sociais grandes aliadas, percebendo rapidamente que tal como refere Wendy K. Bendoni, no seu livro “Social Media for Fashion Marketing” (2020)-este não iria ser uma febre passageira. Mas uma disrupção completa naquilo que fora o Sistema da Moda até ao momento. Questões como a presente no post da conta oficial @lisboafashionweek de 10 de Maio de 2023:

“A relação de proximidade de um Designer com o cliente é o motor da exclusividade da Moda de Autor. Mas quando se fala em grandes cidades, esse contacto directo é cada vez mais um privilégio. A escassez de espaços centrais, o aumento das rendas e a transformação dos fluxos metropolitanos fazem com que ter um atelier ou uma loja em nome próprio seja quase uma utopia. Que espaço, físico e metafisico, existe hoje para o Design de Moda em Portugal?”

São cada vez mais frequentes no Instagram da Associação ModaLisboa este tipo de publicações, enquadrando desta forma os desafios que vivemos como sociedade, com ênfase para o território nacional.

Usando a sua plataforma não como mera divulgação do calendário estabelecido, mas como promoção dos designers nacionais que o integram. Dita utilização das plataformas digitais, é espelho do trabalho desenvolvido e da génese de cada instituição.

Ruth Finley, fotografia promocional do documentário The Calendar Girl (2020). Fonte: IMDB Paulo Gomes (2014). Fonte: Jornal T

The Fashion Calendar viria a ser adquirido em 2014 pelo CFDA (Council of Fashion Designers of America). Não obstante, nem a New York Fashion Week, nem as suas as homologas, historicamente conceituadas deram, de forma fidedigna - continuidade à missão de Ruth[Finley] .

Este argumento baseia-se nos debates que tem vindo surgir dentro da própria indústria. Debates que trazem para a mesa o facto das Semanas de Moda serem cada vez mais extensas.

Chegando a prolongar-se durante dez dias - tão extenso período de tempo, torna a experiência frenética e cansativa para os fashion insiders. Perdem demasiado tempo e energia em deslocações entre localizações de desfiles que, não raras vezes, são consideravelmente distantes umas das outras.

Esta situação não só condiciona as críticas e reports que também são afetados por inerente falta de condições logísticas para a redacção dos mesmos. Textos que devem, segundo o ritmo acelerado da nossa contemporaneidade, estar acessíveis ao leitor quase, ao mesmo tempo, que aquilo que é reportado acontece.

Detalhe da capa da 21ª edição da Revista System. (2023). Fonte: System Magazine

Em resultado de tais constrangimentos, muitos profissionais vêm–se obrigados a fazer opções em relação a que desfiles marcarão presença. Tal conjectura acaba, obviamente, por afectar os designers independentes cuja  posição em supra – mencionados calendários ficam ofuscados por nomes muito mais sonantes.

Regresse-se agora à exploração, por diversos prismas, do acima citado, a dita análise será divida em dois tópicos primordiais: aquilo que é efectivamente dito e questionado e que significados poderão surgir por meio de ilações.

Seguindo-se a plataforma e forma de comunicação em si, sendo este fragmento parte de uma mensagem de uma marca e valores da mesma, podendo estar esta dotada de maior ou menor coesão.

Na linha daquilo que é efectivamente dito, é devido o equacionar prévio de que uma organização não tem capacidade de solucionar todos os problemas de uma indústria/ sistema.

Ainda que do ponto do Design, o ponto de partida essencial e basilar de qualquer solução, é o delinear eficaz e contextualizado do problema a solucionar.

Considerando-se assim a citação um exemplo. Da mesma forma, que deixamos explicita a convicção de que o solucionar não é a única acção viável fase a um problema. Dar visibilidade a questões complexas é um passo importante para o desenvolvimento de trabalho que visa a extinção do mesmo.

Após o delinear de várias ramificações com base numa única citação, importa compreender como aquilo que já não é só mera tendência, mas sim parte integrante e importante do mundo que habitamos – as redes sociais, pode ser considerada como referência, em contexto.

Produção fotográfica a propósito dos convites da ModaLisboa À la Carte, produzidos em parceria com a Renova. Fonte: Instagram @lisboafashionweek (2023). Capa do livro “Digital Research Methods in Fashion and Textile Studies” de Amanda Sikarskie (2020).

Daí que seja oportuno, tomar conhecimento de abordagens de inserção das redes socais no âmbito da investigação académica. Para o efeito recorremos ao trabalho da investigadora Amanda Skarskie, que muito se tem de dedicado à referida questão.

Sikarskie tem como a alicerce da sua explanação o conceito de teoria critica que compreende, atendendo ao contexto da análise da autora, o desafio e questionamento daquilo que escrito no metaverso digital, com base daquilo que são factos, sejam do ponto vista histórico ou sociológico. Sendo que, temos de ter atenção às capacidades hermenêuticas de quem escreve face aquilo que pretende reflectir.

A autora de Digital Research Methods in Fashion and Textile Studies relembra ainda que, mesmo quando os artigos publicados em fontes digitais e online, são da autoria de académicos e investigadores, este facto não é garante de legitimidade ou imparcialidade. Uma vez que tais especialistas, não raras vezes, pretendem por meio da partilha dos seus pontos de vista a polarização de posicionamento relativamente a determinados pontos de vista.

O delinear do que é possível fazer para promover e divulgar a Moda nacional, é este o marco principal da segunda etapa da ModaLisboa — sendo até personificada como mais serena, dotada de mais maturidade à qual se diminui a ingenuidade.

Ao longo deste período, que começou em 1996, foram vários os jovens designers, que graças à ajuda que a ModaLisboa lhes deu conseguiram ver o seu nome reconhecido em Portugal e além. (Paulo Gomes, 2001)

Na fase que a ModaLisboa se encontra actualmente, a apelidada terceira fase, continua a apostar na interdisciplinaridade, não só dando continuidade à acção que tem vindo a desenvolver, como também procurado estratégias e adoptando novos valores para potenciar o crescimento da moda dentro do território português.

Por conseguinte, esta fase de uma  organização mais madura, pressupõe a promoção dos designers a vários níveis, a disposição de um palco de exposição para que a imagem das suas marcas seja projectada da melhor forma possível, acrescendo ao apoio à divulgação das colecções, o apoio à sistematização das mesmas.

A partir do ano de 2002, nomeadamente, da 18.ª edição da ModaLisboa, não só assistiam ao evento com bastante agrado, como assumia os custos das próprias deslocações para o poder fazer, diversos membros de vários meios de imprensa internacional . Destas presenças, resultaram, vários artigos que não se limitavam a analisar tendências, a estabelecer comparativos entre designers e sonantes nomes do panorama internacional, ou à mera listagem de hipotéticas falhas aos designers, ou à organização. Vários procuravam entender, saber, compreender e dar a conhecer. E a esse rigor jornalístico permite-nos delinear este percurso.

Desde o país vizinho, chegava o decreto, sem qualquer tipo de hesitação, que Moda portuguesa existe. Hipérbole para o seu valor estético, qualidade do seu design e execução, sendo seu o seu nível invejável.

Imagem da Pop- up Store de Natal 2023, nos escritórios da Associação ModaLisboa. Fonte: autora (2023). Eduarda Abbondanza e Mário Matos Ribeiro em entrevista ao jornal Se7e (1992) - Arquivo ModaLisboa.

À época, Eduarda Abbondanza e Mário Matos Ribeiro, organizavam um calendário bastante preenchido, e supervisionavam as diversas áreas inerentes a uma semana de Moda, desde a direcção de arte à coordenação de equipas. Sendo o principal objectivo da dupla o estabelecimento e posicionamento sólido e de relevo da Moda Portuguesa, dentro e fora de portas (Poveda, 2002).

É devido o esclarecimento que a utilização da expressão “à época” se refere, ao facto de a dupla Abbondanza/ Matos Ribeiro se ter separado. Assumindo Abbondanza os comandos da organização a partir da edição In the Market.

Aquando da ModaLisboa|Action, onde já se perpetuava o mito da querela entre ModaLisboa e Portugal Fashion, suscitando curiosidade até da imprensa internacional.

No âmbito da mencionada edição, Matos Ribeiro dava um testemunho à imprensa, dizendo que, a passerelle do Porto tinha sentido nulo. Uma vez que a ModaLisboa conferia a possibilidade aos designers de apresentarem as suas colecções na íntegra, ao passo que no Portugal Fashion cada criador só apresentava 12 looks num desfile colectivo.

MMR afirmava ainda que o Portugal Fashion começara com uma componente muito mais industrial que a ModaLisboa, tendo mais tarde evoluído para uma abordagem receptiva e aberta aos designers independentes. O co-fundador do evento basilar, de uma das mais importantes disciplinas do Design em Portugal, compreendia e empatizava com o posicionamento dos designers que apresentam tanto num evento como noutro e, que procuravam pela presença no evento do Norte a penetração de tal mercado.

Recuperemos a questão dos testemunhos de jornalistas internacionais — bastante curiosa a forma como a jornalista da publicação Ahead, Brigitte Wihelm, descreve o papel e a actuação da ModaLisboa por meio do estabelecimento de uma personificação que é também uma comparação. Assim, confere metaforicamente o estatuto de pessoa/ personagem humana à ModaLisboa para poder estabelecer a comparação com a personagem Robbin Hood.

Wilhelm sublinha que, aquando da sua primeira presença no evento e na sua perspectiva de outsider do mesmo e da organização deste, esta aparentava ser uma instituição em tudo similar às instituições organizadores das semanas internacionais como a Chambre Syndicale de Mode em Paris e instituições análogas em Milão, Londres ou Nova Iorque.

Imagem de ambiente da ModaLisboa Ever. Now. Foto: Arquivo ModaLisboa (2013).

Mas, prontamente, a jornalista formulou uma opinião sobre a ModaLisboa — era um Robin dos Bosques modernizado. Dado que, segundo palavras da própria, pedia dinheiro a pessoas ricas e empresas, como forma de apoiarem a Moda e darem aos designers independentes uma plataforma gratuita de exposição das suas marcas.

Criando uma semana de Moda portuguesa, ao reunir e dar oportunidades ao poder criativo de todo país. Ao mesmo tempo, que são convidados várias jornalistas internacionais, que são mimados, em grandes e em pequenos gestos. Para que, desta forma estejam, no ambiente mais propicio à total compreensão e apreciação do trabalho desenvolvido por todos os profissionais envolvidos, sendo que os designers são os incontestáveis eleitos para assumirem o protagonismo.

Todo este movimento humano, constitui uma mais-valia para todos aqueles que, beneficiam da experiência, independentemente, do ponto no qual se localizam dentro da mesma. (in Ahead, Wilhelm, 2002)

Nesta investigação será feito recurso a metodologias auto — etnográficas, ainda que, havendo a consciência das críticas académicas fase a tal abordagem, reitera-se que o pretendido não é uma autobiografia.

Mas uma integração das vivências da investigadora como observadora do fenómeno em estudo, daí que a partir da edição 36 ou do ano de 2011 não haja tanta menção a referências bibliográficas, não que a consulta às mesmas não tenha existido, contudo, as vivências e a consulta de referências teóricas fundem-se ao longo do tempo.

Parte da dissertação de Mestrado em Design de Moda "O papel da Associação ModaLisboa no Sistema de Moda Português" de Vera Lúcia Mendes, Março de 2024.