O percurso do caderno vermelho

Confesso que abordar o meu processo e trabalho criativo em design de Moda, propriamente dito, já tinha uma ideia que surgira em brainstorm. Mas só sendo sugestão de uma subscritora, a Adelia, é que esta ideia se mostrou verdadeiramente valiosa aos meus olhos.
E nesta semana do meu 25º aniversário faz todo o sentido fazer esta reflexão, quase como um aceno ao blogspot, tão fixe em 2010.
Defendo a ideia do design de Moda não está só no resultado final mais convencional de uma coleção ou uma peça para o corpo vestido. E, nesse sentido, a experiência que tenho e que vivi foi na escola.
Quando me refiro a escola, refiro-me à Faculdade - à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, onde fiz tanto a Licenciatura como o Mestrado em Design de Moda. Lembro-me que a expressão “escola” era bastante utilizada e agora olhando para trás tenho uma interpretação para isto: dar relevância à aprendizagem face aos títulos académicos.
Este artigo será divido em perguntas/questões que me ajudaram a reflectir sobre o meu trabalho com uma certa perspectiva.
Quais são os aspectos que destaco do meu trabalho e do meu processo?
Ainda que em âmbito escolar o desenvolvimento dos projectos obedecem a briefings e directrizes, nunca me senti condicionada e sempre tive liberdade para desenvolver a minha linguagem visual e estilo próprios.
Estas são as idiossincrasias, com o viés próprio de uma auto reflexão, destaco no meu trabalho em como estudante de design de Moda: as maratonas de esboços; o perfeitamente imperfeito; a exploração de técnicas com teimosia; a exploração da inclusão; a utilização de um manequim de escala 1: 3; a concepção dos moldes em digital, em vector com ajustes feitos à mão; a fiel companhia de um caderno (preferencialmente vermelho) e; dar prioridade ao sono.

Esboçar é uma forma do cérebro dialogar com o exterior, sendo temos cerca de 60 000 pensamentos por dia, sempre me foquei em não deixar as ideias voarem para longe de mim. Ser desafiada para fazer 200 esboços de camisas, que aconteceu, não me assustou. Sempre desenhei rápido, também é verdade até eu, nem sempre compreendia o registo das minhas ideias. Contudo, este nunca foi um alto preço a pagar por manter o imposter syndrome o mais longe possível, trabalhando com relativa rapidez e com canetas ou marcadores para não se poder apagar, se mais tarde questionasse a validade da ideia, era uma metodologia eficiente.
De um ponto de vista mais poético todos somos perfeitamente imperfeitos, mas este conceito permito-me abraçar e até explorar os erros que cometia na concretização física dos meus projectos.
Explorar técnicas ok, mas por que com teimosia? Porque quando não tens a motricidade física mais afinada do mundo, tens de ser teimosa para fazer tentativas quase infinitas.
Mas esta teimosia também esteve presente em projectos de grupo e, não me refiro, a estarmos em polos opostos e em confronto. Quando eu e a minha colega e amiga Boglárka Czárán exploramos o corte a laser, indo até ao ponto de vista funcional. Em que as perfurações nos componentes da peça serviam para unir os mesmos para redefinir e alterar ou customizar o design da peça por meio de fio de grosso de malha que se entrelaçaria. É claro que tudo isto não surgiu numa primeira tentativa e exigiu várias iterações.
Explorei o design inclusivo, continuo a considerar inaceitável existirem mais marcas e linhas de marcas de Moda dedicadas a animais de estimação do que dedicadas a pessoas com deficiência. Orgulho-me de explorações superficiais que fiz nesse sentido - que foram desde as dificuldades de motricidade fina a diferentes vivências de autismo (obrigada, Bogi por este trabalho de equipa!). Houve uma Vera de 18 anos que pensava que seria a isso que se dedicaria, a Vera de 22 teve uma percepção diferente e a Vera Lúcia de agora deu razão a esta última. Se continuares a ler descobrirás os porquês.
Como já vos disse, sempre tive um fascínio pelo “Théâtre de la Mode” e desejava avidamente ter um manequim à escala 1:3. E, se não estou em erro, foi no meu 19º aniversário, que os meus pais me surpreenderam com um. Salvou-me durante a pandemia, usar menos tecido era uma bênção quando estávamos confinados em casa e as lojas estavam fechadas. E com o tempo tornou-se um dos meus talismãs.
Durante o confinamento, nas aulas de modelagem fomos incentivados a fazer moldes em illustrator e, foi algo que me despertou imenso interesse e gosto. Poupando-me também imenso tempo. Tornou-se característico do meu trabalho, pois os meus colegas preferiam a metodologia manual.

A Moda é tão rápido e como nem tudo pode ser expresso por esboços, há que apontar tudo - alterações a moldes, datas, indicações, briefing, decisões. Por isso, sim, eu era a pessoa que andava no atelier da faculdade com um pequeno caderno vermelho de um lado para o outro, era tão importante para mim com a tesoura de tecido, os alfinetes ou a fita métrica.
Pode parecer pouco relacionado com Moda a questão do sono, a ideia dos criativos notívagos - mas da minha experiência sempre foi fundamental para o meu bem-estar, criatividade e produtividade dormir. Enquanto amigas faziam das noitadas e directas um hábito, para mim sempre foi regra que isto fosse um último recurso.
Se tivesse de mapear o meu processo como o faria?
Geralmente o processo de Design de Moda obedece às seguintes etapas: inspiração/exploração; conceito; ideação com esboços; desenhos planos e fichas técnicas, confecção, ilustração e a apresentação. Descrito desta forma parece algo rápido, mas é um processo de iteração e andar para a frente e para trás. E, ao mesmo tempo que desenvolves uma peça sofisticada, podes estar a costura lateral enquanto estás descalça e despenteada e não quero tornar o cansaço um troféu glamoroso, mas trabalhar muito e lidar com o cansaço faz parte do processo.
Que desafios encontrei ao longo do percurso?
O COVID foi o derradeiro desafio - depois de todos os professores repetirem a importância da assiduidade com base na premissa de que não estávamos a frequentar um curso por correspondência, naquele momento não havia outra hipótese que não fosse o ensino à distância. Ao que se juntou o solucionar da grande questão: “Como vou manter a minha criatividade quando parece que o mundo está a acabar e se não sabemos quando e se este pesadelo irá acabar?”
Tudo parecia saído de uma série de streaming de sucesso - quatro dias intensos e entusiasmastes de ModaLisboa | Lisboa Fashion Week sob o tema Awake e uma segunda-feira de ressaca emocional depois, um email da escola anunciava o início das aulas em Zoom. Como despertamos de repente para tudo isto?

Um desafio que agora parece irreal! Mas todas as conferências, talks, as apresentações digitais de diversas marcas e designers deram-nos esperança de que realmente ia ficar tudo.
Sem esquecer as estórias dignas de contar aos netos e, muitas delas, vivi com a minha querida Inês Buinho. Quem é que trabalhava por zoom, enquanto as nossas famílias preparavam a véspera de Natal e, tentava hercúleo para não nos distrairmos a comer doces? Nós, afinal, tínhamos trabalho a apresentar numa sessão de tutoria a 28 de Dezembro. Quem é que idealizou e confeccionou uma capa plus size, não sendo essa a intenção e, o fez numa máquina domestica e partiu um número infindável de agulhas? Nós, e uma pobre Singer que abanava tanto que quase provocava um terramoto.
Que competências transferi deste percurso para o meu projecto actual?
Escrevo sobre Moda, focando-me nesta última, no que sei, no que aprendi e investigo sobre Moda. Não tenho formação em escrita ou em jornalismo. E não sinto isso como uma falha, sendo que o jornalismo é uma área profissional pela qual nutro imenso respeito, a perspectiva que aqui aplico é a de uma “designer de Moda que escreve sobre Moda”.
Portanto, tudo o que faço aplico aquela que foi a minha formação, só mudou o formato. E se durante a coleção que desenvolvi no Mestrado usava um caderno vermelho para apontar a minha to do e alterações necessárias aos toilles e peças finais, agora é num caderno vermelho que aponte a estratégia e ensinamentos a aplicar na minha newsletter e plataforma. Este é o percurso do caderno vermelho.
Por que redirecionei o meu trabalho?
A verdade é que nunca tive uma paixão na escrita, mas nunca me foi difícil. Sempre tive facilidade em expressar-me por palavras, mas fui de aprendendo a gostar e a desfrutar do acto da escrita em si.
Mas existe uma equação na minha vida que sempre existiu e me fez pulsar e encontrar uma felicidade incrível. Esta é a equação: Paixão +Moda x 1 bilhão + Curiosidade + Dedicação.

O despontar do movimento pela inclusão da deficiência no Sistema de Moda, aconteceu quase ao mesmo em que eu me aceitava verdadeiramente como pessoa com paralisia cerebral. Há época planeava levar esta temática até à dissertação de mestrado. Mas o segundo ano de MA revelou-se muito difícil.
E percebi que não só exista quem estive mais entusiasmado com aquele que seria o meu projecto de dissertação que eu. Como também tomei consciência de que para levar esse empreendimento a adiante teria que fazer trabalho de campo cuja metafórica paleta de cores, que física, mental e psicologicamente, não era para mim.
Portanto, o que eu gostava tanto que, por mais difícil que fosse de estudar, eu jamais desistiria? A primeira semana de Moda independente do mundo, local onde encontrara a minha fashion family - a ModaLisboa | Lisboa Fashion Week.

Não só cheguei ao fim desse desafio como, em uníssono com pessoas cuja opinião me importa, percebi que a investigação, estudos e escrita de Moda eram para mim.
Deste ponto de partida, levei a Lisboa Fashion Week como protagonista a manter, ao que juntei as minhas perspectivas e descobertas sobre a independência na Moda como o seu próprio Sistema. Como nos momentos fulcrais, tenho sorte a febre das newsletters estava alta e eu aliei-me ao Zeitgeist e o resto está a ser escrito…
Este texto talvez tenha sido o que mais dúvidas suscitou em mim, quando expomos o nosso trabalho há sempre ansiedade relativa à aceitação e receção que terá. Se essa peça de um corpo de trabalho for uma reflexão em perspectiva daquilo que já desenvolvemos, essa ansiedade multiplica-se desproporcionalmente.
Mas espero que este texto possa servir como food for thought, ou até como forma de entretimento. A ideia de escrita de Moda funcionar também como entretimento, pode parecer para alguns, de certa forma, algo menor. Mas não é, o diálogo entre a Moda e o Entretimento é cada vez mais próximo e constante. Falar sobre isso serve para outro artigo…
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